O que dizia a reportagem de VEJA
3 de junho de 1992
O
mundo tem um encontro marcado no Rio de Janeiro para decidir que tipo
de planeta será legado às próximas gerações. Líderes de mais de uma
centena de países e outros 30.000 participantes reúnem-se na
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, ou
Eco 92, o mais abrangente e ambicioso encontro internacional já
realizado em toda a história da humanidade. Sua ambição é criar um
código de conduta que, se for mesmo montado conforme os planos, terá o
poder de alterar as relações entre os países e influir na vida de cada
ser humano. Se fracassar, apagará a esperança de dotar a comunidade
internacional de uma tábua de mandamentos práticos e morais capaz de
substituir o vácuo das ideologias. Caso os países representados não
mostrem o discernimento, a coragem e o músculo político para
implementar as correções de rumo esperadas em torno das discussões
sobre progresso e meio ambiente, o desfecho da conferência poderá
redundar num desastre global sem precedentes. Na hipótese oposta, as
pessoas estarão impedidas de esquecer o Rio de Janeiro de junho de
1992. Ali se terá construido a mais profunda mudança mundial em tempos
de paz.
O que aconteceu depois
Dez
anos depois da Eco 92, mais de 100 chefes de Estado e 60.000 delegados
foram a Johanesburgo, na África do Sul, para discutir os progressos e
problemas registrados desde o Rio de Janeiro. O balanço dos dez anos
continha pouca coisa que pudesse sugerir que o encontro melhorasse
significativamente a situação ambiental. A reunião no Rio tratou
sobretudo de mudanças climáticas e biodiversidade. Os participantes
concordaram com um programa ousado de combate à deterioração da terra,
do ar e da água. Também decidiram buscar o crescimento econômico sem
degradar o meio ambiente. Apesar das juras de amor à natureza feitas
naquela época, pouca coisa saiu do papel. Dez anos transcorridos,
apenas quarenta nações adotavam algum tipo de estratégia
preservacionista. O que chegou a ser feito foi apenas um arranhão numa
realidade desastrosa. Em 2002, as ameaças aos recursos naturais eram
ainda maiores. Florestas, peixes, água e ar limpos estavam mais
escassos. Duas das mais importantes fontes de biodiversidade, os
recifes de coral e as florestas tropicais, foram tremendamente
degradadas. As emissões de gás carbônico, o grande responsável pelas
mudanças climáticas e pelo aquecimento global, cresceram 10%. Nos
Estados Unidos, que abandonaram o Protocolo de Kioto, o tratado
assinado por 178 países para controlar as emissões desse gás, o salto
foi de 18%.
Quanto
ao crescimento sustentado, assunto tão debatido, a coisa parece
caminhar para o fiasco. Usando estatísticas da ONU, o Fundo Mundial
para a Natureza, a organização ambientalista mais conhecida pela sigla
WWF, concluiu que os 15% mais ricos da humanidade (o que inclui as
minorias abastadas nos países pobres) consomem energia e recursos em
nível tão alto que providenciar um estilo de vida comparável para o
restante do mundo iria requerer os recursos de 2,6 planetas do tamanho
da Terra. Essa estatística ajuda a entender o dilema existente entre
desenvolvimento e preservação ambiental. Os anos 90 foram de imenso
crescimento na economia global. Perversamente, muito dessa prosperidade
teve conseqüências desastrosas para o meio ambiente. Antes da reunião
de Johanesburgo, a ONU divulgou um relatório sobre o impacto do atual
padrão de desenvolvimento na qualidade de vida e nos recursos naturais.
Ele diz que 2,4% das florestas foram destruídas nos anos 90, uma área
equivalente ao território de Mato Grosso. O desmatamento é maior na
África, que perdeu 7% de sua cobertura vegetal, e na América Latina,
com 5%. A proporção de recifes de coral ameaçados saltou de 10% para
27%, apesar de protegidos pela Convenção da Biodiversidade. O consumo
global de combustíveis fósseis cresceu 10%. Apenas três países ricos,
Alemanha, Inglaterra e Luxemburgo, mantiveram estáveis suas emissões de
dióxido de carbono, o gás do efeito estufa.
Pela
presença do homem em seu habitat, animais estão sendo extintos num
ritmo cinqüenta vezes mais rápido que o do trabalho seletivo da
evolução natural das espécies. Metade das espécies de grandes primatas,
nossos parentes mais próximos na árvore da evolução, deve desaparecer
nas próximas duas décadas, se nada mais consistente for feito para
salvá-los. Individualmente, as agressões citadas acima seriam
absorvidas pelo ecossistema global, acostumado a desastres naturais. O
problema é a orquestração. Sem se dar conta, 6 bilhões de seres humanos
se tornaram um fardo pesado demais para o planeta. Um estudo do Fundo
Mundial para a Natureza (WWF), divulgado também em 2002, revelou que o
homem ultrapassou em 20% os limites de exploração que o planeta pode
suportar sem se degradar. O cálculo partiu do pressuposto de que se
pode explorar até 1,9 hectare por ser humano. Qualquer avanço além
dessa cota nos deixaria sujeitos a catástrofes meteorológicas, como
enchentes e secas, e perda de qualidade de vida para as populações
futuras. Nessa conta, já estamos no vermelho, com a dívida contraída
com a Mãe Natureza crescendo de forma assustadora. A média mundial de
exploração é de 2,3 hectares por pessoa, contra 1,3 hectare há quarenta
anos.
Mas o
efeito mais terrificante por suas implicações no cotidiano das pessoas
talvez seja o aquecimento global. A década de 90 foi a mais quente
desde que se fizeram as primeiras medições, no fim do século XIX. Uma
conseqüência notável foram o derretimento de geleiras nos pólos e o
aumento de 10 centímetros no nível do mar em um século. A Terra sempre
passou por ciclos naturais de aquecimento e resfriamento, da mesma
forma que períodos de intensa atividade geológica lançaram à superfície
quantidades colossais de gases que formavam de tempos em tempos uma
espécie de bolha gasosa sobre o planeta, criando um efeito estufa
natural. Ocorre que agora a atividade industrial está afetando de forma
pouco natural o clima terrestre. Em 2001, cientistas de 99 países se
reuniram em Xangai, na China, e concluíram que o fator humano no
aquecimento é determinante. Desde 1750, nos primórdios da Revolução
Industrial, a concentração atmosférica de carbono aumentou 31%, e mais
da metade desse crescimento ocorreu de cinqüenta anos para cá. Amostras
retiradas das geleiras da Antártica revelam que as concentrações atuais
de carbono são as mais altas dos últimos 420.000 anos e, provavelmente,
dos últimos 20 milhões de anos.
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